Pelo poder que têm os ícones, me sinto
obrigado a dizer, jamais as coisas serão só coisas, não enquanto o ser humano
sentir dor. A marquinha da indispensável vacinação no braço é a perpetuação do
medo frágil de agulhadas. Que você sempre toma porque, sobre todos os efeitos,
"é para seu bem". A dubiedade dos quereres é comum.
Por isso, minha cara, aquela minha dor não
passa. A casa, a famigerada casa, vai estar sempre exalando meus expurgos da
vida que não é, mesmo que não mais esteja de pé, mesmo que não mais esteja
habitada.
Já me deitei em seu chão, lembras, e fui
feliz. Me admirei com a oficina escondida e todos os seus níveis de poeira
mágica, entre outras coisas admiráveis. Já olhei da sua janela e te vi naquele
céu, e desde então você está nele. Já te amei em sua cama, no tempo que não nos
encostávamos.
Lá fui traído. E tudo isso nos foi tirado
para sempre. Não negue.
E em cada pedaço de cerâmica, fio de
cabelo loiro e copo de vidro inquebrado, cada pedaço dessa memória em forma de
casa, reside infiltrada, impregnada, essa dor, e todas as que vieram depois.
Sempre vou te querer feliz.
E cada lágrima que meus
cílios parcos dispensam em minhas olheiras, às vezes apenas pelo
vislumbre de um forro florido, diz, tão somente, que isso não vai passar
enquanto eu existir com minha memória, e enquanto você pertencer
intrinsecamente à cada molécula desses mesmos itens, desta mesma casa.
Enquanto aquela chave estiver em teu
bolso.