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21 outubro, 2014

Quero ser a próxima respiração. (Ou carta aos que ficarem)

Quando os ventos brandos não mais fustigarem meus pulmões e nenhuma partícula de luz puder iluminar minhas memórias, não quero permanecer inteira.
Quero, nesta hora, que cada peça de mim seja acolhida na beira de um olhar vívido que duvidar do próximo raiar do sol. Quero, sim, propagar tudo que ainda houver de vida em mim, onde ela precisar continuar, onde eu não mais puder sustentá-la.
E depois, assim mais leve, quando tudo o que sobrar for cascalho e silêncio, quero que o fogo leve embora o insustentável peso de ser, e o que mais sobrar, com seu egoísmo, vaidade e preocupações vãs.
Assim descarregada, quero, por fim, que me apresentem esta nova face aos cinco ventos do mundo, e deixem esta vista, agora clara, não ser mais minha. Deixem-me ver tudo.
Ao fim, antes e depois, serei a próxima respiração.

13 outubro, 2014

Sobre o oiseau.

Cabe ao pássaro falar sobre o que pensa. Sobre o que não pensa também, sobre o vento, sobre as árvores e as pequenas criaturas. Jamais, porém, ele falará do fogo, inclementemente capturado em sua matéria volátil, pois a fênix de seu antepassado ainda repousa sobre domínios, recônditos, desconhecidos. E a piromancia sã e ensandecida de sua raiz desabita hoje suas plumagens suaves e lisas, tornando seu voo livre, porém, apenas. O pássaro ainda reza para seu antepassado.